quarta-feira, 1 de abril de 2009

Água pelo ralo - JC Online

Publicado em 31.03.2009, às 09h04

Há alguns dias, gravei uma entrevista para a TV sobre uso consciente da água. Na realidade, respondi a perguntas com respostas previsíveis sobre o correto uso da água em uma residência. Para isso, fui ao apartamento de uma estudante, que se propôs a colaborar em “aprender” como não se desperdiça água.

Essas reportagens, por mais óbvias que sejam, são espaços importantes que se abrem na mídia toda vez que se aproxima o Dia da Água (22 de março) e o Dia do Rio (24 de novembro). Ao professor e militante ambientalista, cabe aproveitá-los e cumprir a inalienável responsabilidade de replicar informações de interesse socioambiental.

Por isso, lá estava eu, explicando que no banheiro ocorrem 70% do consumo da água em uma residência. Alertei, então, que se deve manter a torneira fechada ao escovar os dentes, ao se barbear ou ao se ensaboar no banho. Sugeri também que a lavagem de roupas em tanque não se faça em água corrente e que se esteja atento para consertar os vazamentos.

Já no final, o cinegrafista da TV comentou, animado, que a matéria ficaria boa (como de fato ficou), mas que, para ele, não tem jeito: só toma banho com o chuveiro sempre aberto, porque “assim é que é gostoso”!
Vi cair por terra meu esforço e pensei sobre que repercussão aquela matéria poderia ter junto aos espectadores; se eu não havia convencido sequer quem a produziu. Mais uma vez, tive a sensação de que informar não é suficiente; é preciso sensibilizar, indignar, tirar o cidadão da sua inércia perceptiva, por meio de argumentos mais fortes do que o “cuidado com o meio ambiente”.

Talvez eu devesse ter falado sobre o que significa cada litro de água descendo pelo ralo, sem uso. Poderia ter dito, por exemplo, que Pernambuco é o estado brasileiro com menor disponibilidade de água por habitante. Ou que os até 160 litros que se desperdiça em um banho sem controle corresponde ao volume que atenderia a pelo menos quatro pessoas no semiárido, com sua irrisória taxa de consumo diário em torno de 40 litros por habitante. Ou ainda, se a água é potável, mataria a sede de 120 pessoas por dia.

Se não bastasse, poderia tentar sensibilizar com argumentos econômicos. Cada m3 de água perdida representa o aumento na conta cobrada pela Compesa, sem apelação. É dinheiro tragado pelo ralo do bolso ou do banheiro. Por causa dos perdulários, se gasta mais com tratamento de água, reduzindo-se o investimento em ampliação de rede e distribuição de água para os que penam diariamente com a sua falta.

Mas, se não doesse no bolso, teria que doer na alma. Diria então que uma torneira pingando pode desperdiçar 45 litros por dia. Isso, em um ano, equivale a 16 mil litros, volume de uma cisterna que o sertanejo está construindo a duras penas para manter a família na zona rural, durante os nove meses sem chuva.
Pois é, mas eu só tinha um minuto e não oito parágrafos!!!

RICARDO BRAGA é ambientalista, professor da UFPE e ex-secretário executivo de Meio Ambiente de Pernambuco.